quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Exposição de LUÍS MELO

Rostos que nos olham, rostos pintados como olhares, ou neutralizados, nos seus traços, pelo olhar. Por vezes olhos apenas, olhos sem rosto, pintados como se exorbitassem os seus contornos, os próprios limites. Olhares que, até nos rostos de perfil, se voltam para nós, nos olham sempre de frente, e que assim nos interpelam, ou nos forçam a interpelá-los, olhos nos olhos. Tal é o tema, não exclusivo mas predominante, desta exposição de pintura de Luís Melo. O olhar. A sua luminosa obscuridade. A sua transparente ocultação. A evidente interioridade (que sentes?, em que pensas?) da sua exterioridade. A sua visível invisibilidade, ou o que nele, assim destacado pela pintura, abre a pintura a um para lá dela, a um para lá de toda a visualidade ou figuralidade, que é o espaço essencial da pintura.


Pintar o olhar – quer dizer, pintar aquilo mesmo a partir do que, ou em função do que, a pintura existe – é pois pintar, não só o não visível do visível, mas, mais ainda, o não visível do próprio olhar que vê o visível, o olhar como espírito, como provocação de outros (dos nossos) olhares, como interpelação. É isto, é esta interpelação, esta implicação do nosso próprio olhar (ou seja, do nosso espírito) nos olhares dos quadros, que a pintura de Luís Melo nos apresenta. Até mesmo o contraste entre a posição de perfil dos rostos e a posição frontal dos olhares, ou então entre o vago lineamento dos rostos, quase diluídos no fundo ou como plano de fundo, e as linhas bem marcadas dos olhos, reforça essa dimensão interpelante dos olhares ou, melhor, do Olhar, visto que não se trata aqui do olhar de alguém, de um olhar pessoal ou individual, mas do olhar como tal, como o traço de rostidade por excelência, e como o enigma de um rosto: o que num rosto vê e o que nele mais se vê, os olhos, o olhar, é também o que nele é menos visível ou «legível», o que mais se oculta, o que nos escapa ou se retrai no próprio acto de nos procurar, de nos interpelar, de cruzar o nosso olhar. Seek and hide.

A pintura de Luís Melo: evidência de uma «ilegibilidade» do olhar e com ela do rosto, do que um rosto «diz» («Read my lips» era o título da última exposição do pintor), de uma espiritualidade dos rostos constituída nessa ilegibilidade do olhar, e de um ver para lá do ver que constitui a visão da pintura. Read my eyes.

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